Era uma dessas tardes comuns em cidade de praia. Bem no meio de maio, não havia feriado, não havia multidão, o sol não estava escaldante e nada nesse mundo a faria concordar em passar filtro solar. Tinha lá seus dois aninhos; três, no máximo. Pequenininha, dentro de uma dessas piscininhas infláveis redondinhas onde parece não caber nada. Ela cabia; ela e um tiquinho de água do mar, que de tempos em tempos ela colocava na boca escondido e depois cuspia, fazendo essas carinhas de nojo típicas de criancinhas de dois anos, três no máximo.
Do lado, estava a mãe. Deitada, tomando sol, aparentemente despreocupada - não fosse o fato de ela sentar-se à cada dois minutos, botar a mão na testa, daquele jeito pra tapar o sol, olhar a pequena e dizer sorrindo: "ah, menina!". ("Ah, menina" porque ela ficava jogando água pra cima, no auge de sua diversão, e vez ou outra uns respingos atingiam a mãe). Teve a hora em que ela jogou água pra cima bem na hora que a mãe abria a boca pra morder uma coxinha... Xiii! Na mesma hora se encolheu toda na piscininha deixando só os olhinhos de fora; a mãe, com cara séria, fez silêncio; virou-se para um homem grande (que sorria o tempo todo, e que havia trazido a coxinha) e disse:
- Cláudio, olha ela aí que vou no quiosque comer.
Ele chegou mais perto da piscininha amarela (é, era amarelinha) e cochichou algo no ouvido da pequena, que logo se desencolheu sorrindo e estendendo os bracinhos pra cima. Ele à pôs no colo.
Eu estava ali, observando de "meio-longe-meio-perto". Não os conheço, não sei o nome da mãe, não sei o nome do projetinho de gente, sei - se não estiver enganada quanto ao que ouvi por culpa do barulho das ondas - o nome do homem grande. Deve ser o pai. Dá pra ver pelo carinho que tem com ela, apontando e mostrando tudo, balançando as pernas e a fazendo sorrir. Os olhinhos pequenininhos e redondinhos dela brilhavam de amor, de admiração; uma admiração inconsciente para com aquele homem grande que a mostrava o mundo. Não sei se ela mesma entendia esse amor que sentia, mas os olhinhos dela continuavam brilhando.
Houve uma hora em que olharam na minha direção. Eu sorri. A mãe chegou com alguém, que apertou a bochecha da menina e cumprimentou Cláudio. Levantaram-se e a colocaram de volta na piscininha dela, que agora não tinha mais tanta graça. Ela ficava de pé, tentando ser vista pelos três gigantes, que - também de pé - conversavam, gesticulando e sorrindo.
Eu voltei para meu sol. Só olhei de novo quando ouvi uma voz dizendo "vamo levá ela no mar!" (era o amigo, falando). Ela se encolheu de novo na piscina, como que querendo se esconder. Cláudio se abaixou e disse:
-Vamo, 'fiota'. Não tem perigo.
E pegou de um lado da piscina. O amigo pegou do outro. Levantaram-na.
Até hoje não sei bem o porquê, mas resolvi me levantar e seguí-los; queria ver no que ia dar. Ela estava lá, ainda encolhida. As mãozinhas seguravam firme nas bordas da pequena piscina inflável amarela. Metade da cabecinha pra fora, olhando pra baixo. Via os pés do pai, via os pés do amigo dos pais, via o chão... o chão.
Quando um restinho de onda alcançou os pés dos homens ela falou. Foi a primeira vez que a ouvi falar. Ela disse, com uma vozinha de medo misturada com confusão, olhando para o pai: "Chão de água!"
Chão de água. Ela não entendia como, tão de repente, o chão tinha virado "de água"...
Ela não parecia gostar muito do chão de água, então a levaram de volta (agora com um pouquinho mais de água no seu mar amarelinho particular).
Eu aproveitei que estava no chão de água e dei um mergulho. Um só. Confesso que também não gosto muito do chão de água; com 20 anos sequer sei nadar... Saí da água, juntei minhas coisas e antes de ir embora sorri para a família, dando um tchauzinho pra pequenininha. Pude ouvir o Cláudio dizer enquanto apontava pra mim "dá tchau pra moça oh" e mostrava como se fazia despedindo-se de mim. Sorri pra ele. Naquele momento, eu queria guardar o filme dessa tarde comigo pra sempre...
Alguém me cutucou, eu estava quase esquecendo meu óculos de sol. Agradeci, guardei na bolsa e quando olhei de volta eles estavam lá, na realidade deles, no fim de tarde deles, na conversa deles; e ela - jogando água pra cima no auge de sua diversão. Não fitei por muito tempo, peguei meus chinelos sujos de areia e rumei pra casa.
Cláudio. Chão de água. A menina em sua piscininha amarela... Não vou me esquecer nunca.
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domingo, 2 de novembro de 2008
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9 comentários:
Me emocionou tanto. Acho que consigo entender todos os significados e o porque de você nunca esquecer desse fim de tarde. Acho não, tenho certeza.
Momentos como este que fazem agente acreditar que a felicidade é simples e fácil de ser vivida.
Fins de tarde na praia do Forte certamente deixam boas lembranças..
Até qq dia!!
=]
Preciso apanhar sim, amor, vem! Vem! Vem! Hahahaha, estou brincando, anyway…
Se eu não tenho jeito com as palavras, então, ninguém tem? É isso? Hahaha. Se você tivesse a noção de como eu gaguejo pra concluir pensamentos... até na escrita...
Eu sei nadar, eu aprendi a nadar com oito anos, ganhei concurso e tudo. Eu me empenhei tanto, sabe… Não lido muito bem com a gravidade, minha perna é cheia das cicatrizes decorrente das quedas por aí, que acontecem até hoje. E eu posso cair de cabeça no chão de água coisa e tal, que não vai me machucar e eu não queria mais me machucar, porque sempre doía e sangrava. Hm.
Aí vê, o que eu queria dizer, mesmo que não faça sentido pra você, é que eu ando detestando as pessoas.
Elas cada vez se concentram no próprio mundo e vão esquecendo toda a magia dos momentos, detalhes. Sabe, cada vez mais ignorantes para as coisas “realmente importantes” (eu sou pretensiosa sim, haha).
Detesto quando desprezam de tal maneira esse meu apego pelos detalhes, momentos únicos. Sabe que uma vez eu conheci uma garotinha, assim, às vezes, costumo visitar orfanatos, pois eu expliquei a vida pra ela. de uma maneira bem bonita até, inocente, infantil. Aí ela disse “tia, você fala tão bonito” e eu me senti o máximo. Nada a ver falar isso, mas é que eu lembrei.
Bom, eu posso te fazer companhia já que você é uma fumante solitária.
Pára de fumar, poxa. Não que eu me importe, porque realmente, não, mas, né, eu gosto de pulmão limpinho.
Beijo. Fica bem.
Oi, Anna!
Sabe, na verdade, taí um fim de terde que eu ia desejar ardentemente esquecer. Praia, criancinha fazendo bagunça e mãe farofeira comendo coxinha? Cruzes, e além do mais... ai putz, desculpa... olha eu despoetizando tudo. Eu sou uma insensível, mesmo. Mil desculpas. Já estou me retirando, ok.
P.s.: Apesar de insensivel, gostei muito do seu blógue e simpatizei altamente com você!:) Malz aê, tô indo, tô indo. Beijos!
E nem tem como esquecer...
Ain... *-*
Ah, quase esqueço: fui eu que fiz o layout do meu blog sim...
Mas hoje acabei de mudar. Aquele roxo tava lá há o maior tempão.
:*
Chão de água **
Acho que eu me esqueceria...
Como sou insensível!!!
Como não consigo perceber como são lindas essas sutis demonstrações de que a vida é mais do que imaginamos?
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